quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Sinuca para atrair os jovens à igreja

A sala do Centro Pastoral Social onde jovens de Travesseiro, no Vale do Taquari, são preparados para a crisma seria como qualquer outra, não fosse por um detalhe: atrás das classes está instalada uma mesa de sinuca.Partiu do pároco da comunidade, Gaspar Goldschmidt, a ideia de utilizar o jogo para aproximar da igreja os adolescentes e jovens da cidade de apenas 2,5 mil habitantes.

Outra mesa foi colocada na garagem da casa paroquial. Aos mais céticos, o padre assegura que a sinuca tem fins religiosos. "O jovem só se envolve com a religião até que é crismado. Depois, se afasta. A sinuca é um atrativo a mais para que ele mantenha a relação com a comunidade", explica.

Uma das mesas o padre adquiriu na troca por uma esteira ergométrica que não utilizava mais. A outra foi comprada por R$ 500 na internet, com economias do próprio pároco.

Durante a semana, descreve, a procura pelos jogos é baixa, porque todos estão ocupados com tarefas da escola. Nas férias, depois da catequese e nos finais de semana, no entanto, as mesas são tão concorridas como as missas dominicais. O padre considera que a atividade é uma maneira de manter os jovens afastados de encrencas e se divertindo em um local de fé: "O que quero é fazer com que eles sintam que o espaço religioso da comunidade é o lugar deles."

O pároco também organiza viagens com o grupo, que o ajuda a rezar as missas e, nos próximos meses, promoverá sessões de cinema para os adolescentes. Outra meta é construir uma sala ao lado do centro comunitário para instalar as duas mesas de sinuca e outros jogos que pretende comprar. Aos 53 anos, o religioso é um padre moderno. Mantém perfil no site de relacionamentos Orkut – onde há inclusive uma comunidade dedicada a ele – e está sempre conectado no MSN.

A identificação com jovens é antiga, como atesta uma placa que ele orgulhosamente prendeu na parede da sala da casa paroquial: uma homenagem assinada pela Juventude de Cuiabá (MT), onde pregava antes de se mudar para Travesseiro, há um ano e meio.

A postura diferenciada gerou críticas no pequeno município em que a única igreja é a comandada pelo padre. Mas mesmo quem é contrário à iniciativa prefere não se indispor com o pároco. Já os adolescentes aprovam a ideia. "A gente adora o padre Gaspar", diz o coroinha Gabriel Henrique Bruxel, 12 anos, que não perde uma missa e é um dos mais assíduos nas mesas de sinuca.

PUBLICADO ORIGINALMENTE NA EDIÇÃO DE 11 DE JUNHO DE 2010 NO JORNAL ZERO HORA



A aflição em Marques de Souza

Faltavam três minutos para as duas da tarde quando a chuva voltou a cair em Marques de Souza, na tarde abafada de terça-feira. Na margem do arroio Tigrinho, cerca de cem metros antes da ponte sobre a BR-386, Fátima Bauer nem se importou. Ela tentava desencardir uma camiseta nas águas do arroio quando me viu caminhando em sua direção. “Olha isso aqui. Olha”, disse, antes de desatar a chorar. “Tô tentando deixar limpo tudo o que sobrou da minha casa”.

Eram quatro sacolas de plástico com algumas roupas e toalhas.

Fátima morava em uma das últimas casas da rua Alzira Lammel, no Centro de Marques de Souza. Esse lugar foi um dos mais atingidos pela força da água. Pelo menos cinco casas foram levadas pela correnteza. As que ficaram tiveram sua estrutura comprometida. As paredes de tijolo à vista da casa de Fátima ainda estão lá, mas podem ruir a qualquer momento. Ninguém mais vai poder morar ali. Na casa de sua sogra, nem isso: ficou apenas o barro, os destroços e alguns vasos com orquídeas, as plantas prediletas de dona Iara.

“As vezes choviam oito dias seguidos e não chegava nem perto da quantidade de água que tinha aqui na segunda”, lamentou o pedreiro Aldemir Bauer, da mesma família. Ele morava com a mãe, Iara, e com a companheira. Seu pai vivia na mesma casa até a semana do Natal, quando morreu, infartado. “A gente dividia o espaço, mas tinha tudo separado. Tinha tudo duplo. Duas salas, duas tevês, dois sons. Agora foi”. “Nosso final de ano já tinha sido terrível. Não sei mais o que mais pode acontecer”.

A rua Alzira Lammel termina a 50 metros do arroio Tigrinho. São normais pequenas inundações ali. Mas não da forma como aconteceu no fim da tarde de segunda-feira. Marques de Souza nunca passou por nada parecido com o que aconteceu. Em toda a região choveu o equivalente a um mês em menos de meio dia. E a água caiu especialmente intensa nas cabeceiras dos rios Fão e Forqueta, que, já unidos, passam pelo município. A correnteza era tanta que os moradores especulavam se não havia sido aberta a barragem da hidroelétrica da Certel, no salto do Forqueta. A capital gaúcha dos campings virou um grande lago.

O prefeito de Marques de Souza Rubem Kraemer estimou que 80% da cidade foi comprometida. Dos quatro mil moradores, mil tiveram de deixar suas casas. 120 famílias perderam tudo.

O bairro de nome premonitório, Cidade d´Água, ficou submerso. Na terça, os moradores empilhavam os móveis e eletrodomésticos embarrados na frente das casas para ver o que ainda poderia ser aproveitado. “Quem ver isso aqui aprender a valorizar o que tem”, comentou uma pessoa que passava por ali.

Do outro lado do asfalto, no novo loteamento Brisas do Forqueta, dezenas de árvores, fios e postes de luz foram arrancados. Paredes foram derrubadas. Tijolos de casas ainda em construção se espalhavam pela rua. Um cenário desolador.

No distrito de Tamanduá, pelo menos 40 casas foram atingidas pela enxurrada. Como nos outros locais, muitos perderam tudo. Todos tiveram grandes prejuízos. Acostumado a cobrir tragédias de terceiros, o jornalista, Alicio de Assunção, passou de expectador à vítima. Sua casa ficou debaixo da água. “Tivemos duas enchentes consecutivas aqui. Primeiro pelo arroio Tamanduá, depois pelo rio Forqueta”, contou Alicio. “Foi tudo muito rápido. Em pouco tempo a água tomou conta”.

O distrito tem dois cemitérios. No centenário católico, dos cerca de 200 túmulos, ficaram dois. No evangélico a situação não é muito diferente. Crânios e ossos ficaram espalhados pelo chão, tornando o cenário ainda mais angustiante. Em ambos os locais, a visitação foi proibida.

Tamanduá havia passado por uma grande enchente em 2001, mas a dessa semana foi cinco metros mais alta.

ESSE TEXTO INTEGROU A COBERTURA DO JORNAL O ALTO TAQUARI DA ENXURRADA QUE ATINGIU O VALE DO TAQUARI EM 4 DE JANEIRO DE 2010